João sempre teve que
correr atrás daquilo que ele queria. Nasceu prematuro, lutou para sobreviver e
nos anos seguintes continuou sendo assim. Teve uma infância difícil, pobre e
sofrida. Na escola não entendia direito o que a professora falava. Era uma
senhora cansada e triste. João nunca viu sua professora sorrir. Ele não ficou
muito na escola. O suficiente para ler e escrever, ainda com certa dificuldade.
Passou a ficar em casa e ajudar seu pai com o trabalho. Seu pai estava velho e
já não tinha mais a força de antes. Um dia, enquanto ajudava seu pai, viu umas
crianças brincando despreocupadas. “Elas
já trabalharam?”, João se perguntou, “Por que elas estão brincando?”. Ele não
entendia.
Mesmo com João
ajudando, um dia faltou comida em casa. Neste dia os três deitaram mais cedo.
Ninguém dormiu. Apenas suspiravam e escutavam a sinfonia da pobreza, tocando
cada vez que suas barrigas roncavam. No dia seguinte João perguntou ao seu pai
por que não tinha comida. Ele disse que não tinha dinheiro. Sem dinheiro, sem
comida. Dinheiro é tudo nesta vida. Semanas depois seu pai lhe chamou: “Está vendo esta moeda? É com ela que
compramos comida. Você tem que ter dinheiro, João. Tem que pegar uma moeda e
fazer com que vire muitas. Como sementes que se planta pra que se tenham mais
sementes” E João escutou.
Não demorou muito para
voltar a frequentar a escola. Desta vez para lavar os carros no estacionamento.
Ele não queria perder tempo estudando, ele queria nunca mais passar fome, queria
uma cama melhor, queria dinheiro. Pulou de um emprego a outro e juntou o máximo
que podia. A pouca alfabetização que teve foi suficiente para abrir uma pequena
empresa, que não demorou a crescer. Contratou funcionário, mudou-se da favela e
levou os pais com ele. João mudou de vida. Casou com uma mocinha calada. Ela
não lhe pedia vestidos ou sapatos. João gostava que ela não gastasse seu
dinheiro. Ficava na empresa até tarde e sempre chegava cedo. Ele vivia pelo
dinheiro.
Acontece que um dia
estava saindo da empresa e foi caminhando para casa, como sempre fazia. Desta
vez havia um menino franzino engraxando sapatos na esquina. Lembrou-se de
quando era jovem, dos empregos nos quais já tinha trabalhado. Num impulso,
pegou a carteira e se sentiu bem ao ver seu dinheiro. Foi quando caiu uma moeda
e saiu rolando para fora da calçada... João correu. O sinal abriu. Seu corpo
foi jogado longe, ainda quente, mas já sem vida. Dizem que quando o socorro
chegou a moeda ainda estava na mão dele.
Pobre João, viveu pelo dinheiro, morreu pelo dinheiro.
-
Eu pensei que você ia me contar a história de João e o pé de feijão.
-
Esta é a verdadeira história. Ele achou que se tivesse muito dinheiro poderia
comprar os feijões mágicos e ir embora daquele lugar ruim. Mas isto foi quando
ele era criança, depois ele cresceu e esqueceu a finalidade do dinheiro. João
nasceu pobre e morreu pobre.
-
Então ele morreu, mas deve ter ido pra o castelo nas nuvens, não é?
-
É. (Ou não).
"o comércio estava pronto
e vendeu bem
No dia de São Ninguém
Ainda não fazem pessoas de algodão
Ainda não fazem pessoas que enxuguem
suas próprias
mágoas"
(Cícero - João e o pé de feijão)