sexta-feira, 30 de abril de 2010

"É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma". (Hélio Pellegrino)

1° Ato


As ruas daqui sempre foram escuras. Pelo menos desde que me mudei para cá, há uns oito anos. Porém não me preocupo, pelo contrário, fico observando a escuridão, contrastando com o céu avermelhado de poluição. Quando vou dar minha colaboração no efeito estufa, fumando na varanda, fico olhando para o alto, na tentativa de ver o céu. Meus dedos pegam lentamente o cigarro, para dar inicio ao ritual. O fósforo deslizando na caixa, para fazer nascer a chama. E o meu pequeno suicídio diário recomeça. Já tentei parar, mas me pego me torturando com coisas bem piores. Eu também teria de parar com meus pensamentos.
Quando o sol se põe, entre becos e avenidas, vou caminhando sem saber para onde. Nestas ruas escuras as pessoas nunca se repetem. Como se cada dia se tornassem diferentes e só eu permaneço como sou. Acordo todos os dias e nada está como era antes. Como se a noite tivesse este poder de transformação e a luz do dia completasse este ciclo de metamorfoses. Que se repete... Meu despertador toca as seis. Finalmente as cortinas são abertas, pois é a noite que a vida começa para mim. Às vezes há um imprevisto e tenho que sair durante o dia. Mas sei bem que não sou eu. Eu não vivo de dia, apenas vou caminhando de acordo com a necessidade. De forma que quando isto ocorre é por culpa do outro. Tento fugir do outro. Evitar o confronto desencadeado por ele, que se passa em mim. Sem ele o mundo é meu e tudo que se da é para meu prazer. No encontro com o outro, coloco-me defronte as minhas inquietações, personificadas num ser que está diante de mim. Fugindo do outro fujo de mim. Mas agora é noite. E evito pensar em tudo isto. Respiro fundo, deixando o ar entrar em meus pulmões sujos.

Quem sou eu

Minha foto
PE, Brazil
Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...