quarta-feira, 22 de junho de 2011

Causos da vida


_ Ô mãe, quero meu pai!
_ Tem não, menino.
_ Ô mãe, quero pão!
_ Tem não, menino.
_ Ô mãe, e tem o que?
_ Tem suor, sangue e tem o futuro.
_ Ô mãe, o suor tá na minha cara, o sangue na minha ferida e o futuro? cadê ele?
_ Procura, menino. Procura que nada vem fácil.

         Eita, que o céu tava limpo! Nuvens fofas de um branco que não se vê no varal. O sol, lá estava. Grande e sem timidez. Calor de lascar, suor escorrendo pelo rosto e respiração ofegante. De cima daquela goiabeira o mundo parece pequeno e o céu mais perto. Não muito longe as roupas balançando; pedindo trégua para todos que pudessem ver. Chegava um pouco do cheiro de sabão, mas não era tão bom quanto o cheiro de goiaba fresquinha, tirada do pé, passada no calção esfarrapado e mordida com vontade. Vontade de quem quer abocanhar o mundo! (o mundo que há muito era seu, nas brincadeiras perto do rio).

Depois da mordida viu a goiaba vermelhinha, com milhões de sementinhas, que teimavam em ficar entres os dentes, e um bichinho... Mexia rápido, fugindo do próximo ataque. Estava gordinho e feliz, cercado pelo que ele mais gostava. O menino se sentiu triste. Estragou o mundo do bichinho.
Uma galinha passou ligeira. Ciscou com toda força e pegou o que parecia ser um pauzinho (não, não era. Galinha não come galho. Come milho, come arroz e come bicho). Pegou o bicho, certeira, num instantinho já tinha ido! Galinha que é esperta. Deixou a pena e comeu o bicho.“Menino, solta a galinha!”. Ainda com o balaio na cabeça. O rosto queimado de sol, as rugas as cicatrizes, escondiam os outrora grandes olhos azuis, deixavam a expressão mais severa.
_Ô mãe, ela comeu um bicho!
_Que que tem, menino?
_Tem que matou o bichinho.
_Ou ela mata o bicho ou o bicho mata ela, meu filho.
_E é, mãe?
_É.

Correu pra o pé de goiaba! No chão, perto do carrinho de madeira, tava a goiaba e o bichinho. Deu uma limpadela e saboreou cada pedaço... Tinha gosto de vitória. Com um pouquinho de terra, sim. Mas era sua vitória.


domingo, 12 de junho de 2011

Fugindo da chuva


                                          "O que virá depois? - pergunto então para a tarde suja atrás dos  vidros, e me sinto reconfortado como se houvesse qualquer coisa feito um futuro à minha espera" (Caio Fernando Abreu)


As pessoas andam tão apressadas. Parecem incomodadas. Esqueceram que a chuva é natural, inevitável e, apesar de todo estrago que pode causar, tem certa beleza. Esta era sua única preocupação, na cadeira gelada daquele boteco, olhando pela janela.
Já havia passado boa parte da manha, quando foi tomar um café. Queria algo quente e que não lhe custasse muito. Parava naquele boteco às vezes. Por fora parece pequeno, sufocante e sujo. A pintura gasta expõe as antigas camadas de tinta.  A sujeira toma toda a fachada. Por dentro é o que se imaginava por fora. O cheiro é um misto de charuto barato com vinho vagabundo. A iluminação é péssima... A janela fica virada para a rua, mas, de alguma forma, não serve para iluminar o ambiente. Não gosta de estar ali, mas não lhe restam muitas opções. Sempre que entra é como se fosse a primeira vez. O mesmo garçom, nem uma simpatia. Os poucos que estão nas mesas, descuidam de suas vidas, sem reparar em quem entra. Junto ao café pediu uma fatia de bolo. Simplesmente bolo. Não há “sabores”. Não há simpatia, iluminação, música... O único som é dos passos arrastados do garçom e o barulho da chuva na janela. O café é fraco, o bolo é seco e quase sem gosto. Em dias assim, sinto certo conforto neste lugar. Dele posso olhar pela janela e me sentir longe de tudo aquilo. E não tinha percebido antes, mas é possível ver um sutil reflexo de seu rosto, no vidro da janela. Foi quando se lembrou de si. Em algum momento se perdeu entre a manha e a tarde.
Moedas na mesa e mãos no bolso, para enfrentar o frio que fazia lá fora. Na bolsa coisas leve; o peso maior carregava no peito.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O dia que choveu em mim

                                                                                                                      " cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? "      (Caio Fernando Abreu)

 
Era um dia qualquer, estava nublado e frio. Não queria sair de casa. Queria ficar na cama, dormir até tarde, esquecer que tinha de esquecer um monte de coisas. Coisas...  Todas espalhadas, ocupando o devido lugar na desordem. Ainda havia água no copo, ainda havia roupa suja no chão. Arrastou-se até o banheiro, escovou os dentes com descaso. No chuveiro pensou se a torneira tava com defeito ou não a fechou direito. Parou em frente ao espelho. Examinou os olhos. Estavam brancos e sem graça. Saiu secando o cabelo, enquanto andava pela cozinha, ainda sem roupa. Procurando o que comer, com os pés molhados. Cuidou de tomar a água que ainda estava no copo. Uma coisa a menos. Desistiu de comer. Para sair do marasmo, imaginou que tinha um horário. Tinha que sair de casa. Vestindo a roupa, ainda pensava na pia... Mas não tinha tempo. Antes de sair, pegou o livro que lhe fez dormir tão tarde e o guarda-chuva que ganhou de um amigo.
Na parada de ônibus, a chuva molhou seus tênis. Tudo bem, por que já se molhavam no caminho, mas, por algum motivo, aquilo começou a lhe incomodar. O tecido azul agora parecia preto, de tão escuro. Algumas marcas de lama no pé esquerdo... Não gostava de lama... Pesava e prendia. Decidiu que não tinha mais horário. Tinha frio e um pouco de fome. Mudou seu caminho para um importante lugar que ainda não sabia onde era.

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PE, Brazil
Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...