segunda-feira, 9 de maio de 2011

Fora do tempo

Com as cortinas cerradas, pode ser uma hora qualquer. É bem assim que está. Não sabe se é dia ou noite. Provavelmente um lusco-fusco, que ofusca os olhos. O chá está intragável e o blues penetra rasgando os ouvidos. No momento é só isto que há dentro. E antes era tudo vazio.
Às vezes pensa que desaprendeu a falar. As pessoas não lhe entendem mais. Por isto continua em silêncio e imóvel. Apenas revira os olhos para cima, quando respira fundo. Já fez isto por frustração, por prazer, mas também por fazer parte de uma lembrança. Agora revira os olhos imaginando uma longa tragada de cigarro. Como a nota da gaita, ou um gole de Scotch... Mas não fuma mais. Não bebe mais. Não... Passou a cuidar mais de si. Passou a sair menos. Passou a falar menos. Só não passou a ser outra pessoa, por que não sabe como fazer isto. E, deste jeito, passou a ser meia-noite.
As cortinas, que estavam fechadas, começaram a balançar violentamente. Primeiro pensou que era um raio de sol, mas atravessava a sala uma luz artificial, vinda de um poste qualquer. É assim que é. A luz na sua vida é artificial. Rasga a sala, partindo-a em duas. De um lado, os livros já lidos, a cadeira vazia, o quadro em preto-e-branco, a pequena rachadura e o cartão daquele lugar. Do outro, o sofá gasto, a planta com sede, o som antigo, os discos emprestados e um cinzeiro vazio. Bem no meio, lá está. Incomoda lhe a luz que tanto esperava. Ela vai direto pra seus olhos. Vai lhe cegar. Mas pode ser bom, pode ser que sem ver veja melhor. Ou, ao menos, sinta.
A luz aumenta, aos poucos... Toma a sala, aos poucos... Mas, no meio da sala, tem alguém dormindo. Não percebe nada disto, com seu cigarro imaginário nas mãos (melhor assim, pra não se queimar). Do som sai um psicodelismo qualquer, meio rosa, meio laranja, meio roxo... Enganou-se quanto ao disco. Tem uma capa de soul no colo. (vai ver sua alma é bagunçada, assim mesmo) Enganou-se quanto à luz também. Que banha todo apartamento, saindo do lusco-fusco para um novo dia. Mas quando acordar já será noite. Espero que tenha bons sonhos.

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PE, Brazil
Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...