sábado, 4 de setembro de 2010

"Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade". (Hélio Pellegrino)

6° ATO

Era pequeno e imerso na penumbra. Não sabe se é devido à iluminação fraca ou a nuvem de fumaça que cobre o lugar. Vozes se misturam, fazendo com que seja difícil ouvir a música ao fundo. Todos buscando uma solução que deveria sair de um copo. Mas não chega... Não seria assim tão fácil. Todos se olham, mas não enxergam ninguém. Nem, ao menos, percebem quando mais uma pessoa entra. Ainda com as chaves na mão, cabelos recém lavados e um perfume agradável; se não fosse o cheiro que está impregnado no ar. Por um segundo a música parou. E a música não para por nada. Retirou o isqueiro do bolso, depois de sentar em frente ao palco. Tentou uma vez; duas vezes; na terceira veio à chama, trazendo um sorriso consigo. Levanta a mão para chamar o garçom. Muito magro, de olhos fundos, cansados de chorar a perda de sua mulher. Mas aqui ele não chora; ele anota o pedido e logo volta, carregando o copo. A música que vinha do palco se tornava cada vez mais envolvente, porém ninguém se importava. Tão ligado ao instrumento; como se fosse uma extensão dele mesmo. Barba por fazer, roupas simples. Sentado, pois depois de um grave acidente, lhe incomoda ficar em pé muito tempo (mas ela não sabe disto). Parte de seu cabelo colado no rosto pelo suor. E ele, ignorando este detalhe, que só ela repara, toca sem parar. Ele abre os olhos e olha diretamente para ela. Seus olhos são sombrios; como as ruas que já passou. Realçam a palidez de sua pele e embriagam como sua música. Seu rosto... É único. E aquele asco que sentiu ao entrar foi embora. Ela não percebeu, mas ele, tão indiferente, viu além de si mesmo. Olhou para o outro. Olhou para ela. Ela não era como os outros. Não tinha dor em seus olhos, nem arrependimentos. Não estava ali para esquecer, não tentava fugir. Não foi buscar nada. Olhava para ele e ouvia sua música. Naquele momento isto lhe satisfazia. E ele percebeu que a ele também. Era o que bastava. Foi quando o cigarro apagou e só os dois sabiam que o fluido do isqueiro havia acabado.

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Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...