sábado, 15 de junho de 2013

"Sleep with one eye open, Gripping your pillow tight"

Pense... Você está prestes a dormir e sente, pelo clima no ar, pela forma como os seus pelos estão arrepiando, pelo rangido de metal... Principalmente  pelo metal. É o som do pesadelo que se aproxima.
 E você chama Sandman, você quer que ele venha lhe buscar... Mas ele não vem e a noite vai ser longa. Quando você está na iminência do pesadelo já sabe que a noite vai ser longa. Melhor cobrir-se até a cabeça e fazer uma prece para que o sol nasça mais cedo, você não pode saber o que te espera. E o som metálico bate distante, mas você poderá ouvir, enquanto tenta se esconder:
"É apenas o demônio em embaixo da sua cama, em seu armário, na sua cabeça."










“Só tenho dois tipos de sonhos: os ruins e os terríveis. Com os ruins consigo lidar, são apenas pesadelos e logo acabam, eu acordo. Os sonhos terríveis são os sonhos bons, nos sonhos terríveis tudo vai bem.... Tudo é maravilhoso e normal. Tudo vai bem. Aí ... eu acordo e ainda sou eu. E continuo aqui. E isso é realmente terrível.”

                                                                                  (Sandman - Graphic Novel de Neil Gaiman) 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Monólogo a dois







"I like baking and things that smell like winter,

But I'm not gonna talk about that,

In my monologue"
(Monologue Song)





Sabia que amaria. Quando vi os olhos, e eles me mostraram a alma, já amava. Passaria a amar a franja deixada de lado, os óculos - moldura para os olhos – janela e o riso torto nunca lhe pareceu tão certo.  Por vezes frouxo e sonoro, ecoaria dentro de mim, outrora vazia. Amaria o busto que conserva o coração enorme. A barriga que se tornaria tela branca para meus dedos. Os braços que formam, no abraço, meu maior abrigo. As mãos – luvas de seda, que me tocariam por dentro. As pernas – pontes que caminhariam em minha direção. Os pés – fundamentos que nos dariam apoio. Amaria o suor que correria por esse corpo, virando mar e, numa onda, me banharia. Deixando apenas aquele sentimento de estar bem; de quem toma banho de chuva de verão. Amaria o sangue que, mesmo tão nobre, é dado sem medida por aqueles que ama. Sim! Sabia que amaria. Só que não sabia que este sangue seria misturado ao seu, que este suor seria o seu, que este corpo seria o seu, que a alma seria a sua. Não sabia que deixaria de lado todas as “facetas” para ter uma nova face. Pedaços podem formar um amontoado, mas nunca um todo. Foi quando descobriu que, na verdade, não sabia de nada. Poderia ter tirado essa conclusão antes, mas o mestre não falou tão alto quanto o seu encanto. Agora percebe que não soube, nem poderá saber. Apenas sente. E sentindo vai.


Enquanto Tiver Ar.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Poema para ela



3.    Entre as linhas da poesia ela dizia que me amava.


Diogo não conseguia pensar em mais nada além dela. Quando escolheu um pseudônimo chamado “Dirceu”, nunca imaginou que encontraria uma “Marília”. Ela era linda, maravilhosa... Não acreditava que ela lia seus poemas, mas, como era de se esperar, não gostava. Ele se considerava um poeta medíocre. Atribuía este fato a não ter nem uma musa inspiradora. Um amor que o fizesse sentir o mundo em sua totalidade. Mostrasse-lhe as verdadeiras cores. E esta mulher estava ao seu lado todo o tempo. Ele ouviu falar em “amor a primeira vista” quando começou a ler seus primeiros poemas, mas nunca achou que saberia de fato do que se tratava. Agora que ele amava poderia ser um homem melhor e um poeta completo. Todos os dias ele a observava na mais absoluta discrição. Não queria que ela pensasse que ele era um louco obcecado por ela. Sua amada se mostrava cada dia mais intensa e enigmática. Mostrava-se diferente de todas as pessoas. E cada dia mais.
Os anos se passaram e Marília não recebeu o poema de seu Dirceu. Inspirada pelos poemas que conhecia, ela tentou de tudo. Olhou firmemente para ele, oferecendo os olhos como espelho da face. Ficou na varanda comendo café com pão, atirou pedras no meio de seu caminho, conversou em voz alta com as estrelas, bradou para todo o bairro, com uma taça na mão: dai-me mais vinho, porque a vida é nada! Acendeu um cigarro e escarrou pela janela; assim como fera, rasgou um calendário e jogou os pedaços na rua, andou nua pela casa, gritou a plenos pulmões: venham amigos lúcidos, calar os lobos e acordar o mundo! Comprou um corvo e deu-lhe o nome de “nunca mais”, andou de um lado a outro tal qual pantera, com o som bem alto esperando que a voz nordeste tocasse “nalgum lugar” de sua alma, colocou palmeiras na varanda e ficou esperando o sabiá. Uma noite nada haveria de ser dito. Esteve em completo silêncio. Porém, antes de deitar-se disse: que um dia o sorriso lhe baste. Sentia-se cada dia em um nível mais baixo do inferno de Dante. Já era noite e ventava bastante. Foi até a varanda e viu que ele olhava em sua direção como olhar perdido e distante. Guardou aquela imagem e descansou aquela noite. Vestiu-se com as roupas da realeza que Inês nunca usou, gritou, gemeu, tocou valsa vienense, dormiu, cansou e morreu, porque não era tão dura quanto José. Morreu em Abril, que é o mais cruel dos meses. Seu último pensamento foi que permaneceria jovem, eternizada em um verso.
Diogo não viu quando tudo aconteceu. Tinha ido a cozinha fazer um café e quando voltou sua musa amada não estava mais lá. O enterro foi simples, mas bonito. Ficou sabendo que seu nome era Roberta e já vinha doente há um tempo. Tinha parado de trabalhar e passou a se dedicar a sua dança. Paixão desde a infância, mas que não havia lhe dado uma fonte de renda. Naquele domingo mórbido Diogo não demorou a escrever sua publicação semanal para o jornal. Desta vez não era um poema. Ele falava sobre uma mulher, intrigante e excepcional. De uma beleza incrível e que teve uma vida muito interessante. Falou de como todos os poetas ficariam honrados em conhecê-la. Ele teria feitos todos os seus poemas para ela, mas não se achava digno diante de tudo que ela representava. Na verdade... Poderia ter feito alguns poemas sobre sua dança. Não fez porque não queria magoá-la. A coitada sempre dançou mal.

Paráfrases:

Augusto dos Anjos – Versos últimos
Tomás Antônio Gonzaga – Marília de Dirceu
Fernando Pessoa - *
Olavo Bilac – Via Láctea (Trecho XIII)
Pablo Neruda – Gosto quando te calas
Drummond Andrade – E agora, José?
Cecília Meireles – Primeiro motivo da rosa
Paulo Leminski – Atraso Pontual
Vinicius de Morais – Soneto de Conifeu
Luis de Camões – Os Lusíadas
Hilda Hilst – *
Rainer M. Rilke – A pantera
Edgar Allan Poe – O corvo
Zeca Baleiro musicando E. E. Cummings – Nalgum lugar
Gonçalves Dias – Canção do Exílio
T. S. Elliot – Terra desolada
W. Shakespeare – Soneto 19
Dante Alighieri – Divina comédia


Poema para ela


  2.      Não vi que...



Decifra-me ou devoro-te homem/mulher, eu sou teu eu interior. Teu verdadeiro eu. Sou teu subconsciente e inconsciente, teus sonhos e devaneios, tuas dúvidas e perplexidades, tuas crenças e valores, teus defeitos e qualidades, amores e ódios, desejos e aversões, fragilidades e fortalezas.
 (Lenda do enigma da esfinge)


Marília, que até pouco tempo atrás se chamava Roberta, não sabia lidar com aquilo. Era vizinha de um poeta. E ele sabia que ela lia suas poesias. A qualquer momento ela poderia ser contemplada com uma poesia sobre ela. Quando estava fora de casa ela ficava ansiosa. Queria logo voltar para ele. Nunca se dedicou tanto a dança! Dançava como se tivesse as sapatilhas mágicas. A cada passo pensava em seu poeta. Cada dia mais se alimentava da imagem dele. Começou a ficar triste quando notou que ele sequer olhava para ela. O que teria de fazer para chamar a atenção dele? Era isto! Pensaria em algo que o fizesse notá-la. A partir deste dia a dançarina teve como objetivo se tornar musa de seu poeta. A verdadeira Marília de seu Dirceu.
Colocou a música mais alta do que nunca, fez os mais difíceis passos de dança que sabia, deu gargalhadas ensurdecedoras, chorou o suficiente para afogar um peixe, entrou madrugada adentro empenhada em se fazer notar. Foi quando ele levantou os olhos que estavam fixos na mesa e mirou em sua direção. No dia seguinte ela estava extremamente feliz. Chegado o dia da entrega dos jornais, ela correu até a banca mais cedo. Mal podia esperar pra ler o que ele escreveu sobre ela! Por isso, não quis acreditar quando leu o poema “janelas”. Como ele pôde escreve sobre as janelas e nem uma linha sobre ela?! Estava obstinada a fazer seu poeta escrever sobre ela. Era um desejo que a devorava por dentro. Não conseguia entende-lo. Por que ele não a via? Sem perceber ela se deixou ser consumida pelo seu silêncio.

Poema para ela


1. Eis que cego e surdo...
 


Chega mais perto e contempla as palavras. Cada umatem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?
(Carlos Drummond de Andrade )



Ele poeta, ela dançarina. Moravam em prédios distintos, mas podiam se ver através das portas da varanda. O espelho que ela usava para conferir a postura estava colocado de forma que ela sempre estava de frente a ele. Assim, quando já estava exausta, voltavam sua atenção para o quarto andar em frente ao seu. O computador que ele usava ficava na sala, perto da varanda, porém raramente era usado. Ele estava sempre escrevendo a punho. E, quando não lhe visitava as musas da inspiração, ele acompanhava cada movimento da dançarina. Ela movimentando-se delicadamente, ele deslizando em seus pensamentos, pareciam estar na mesma dança, ambos no quarto andar, lado a lado, separados apenas por um vazio material.
Alguns dias ela tentava um movimento arriscado e, pela falta de preparo ou de sorte, acabava se machucando. Ele sentiria falta de vê-la, sem que ela soubesse. Outros dias ele visitava sua mãe em uma cidade distante e ela sentiria falta de sua presença silenciosa, seu rosto pálido e como passava as mãos no cabelo quando parecia não saber mais o que escrever.
Um dia voltando para casa ao fim da tarde observou um rosto familiar na banca de jornal. Era seu vizinho. Agora que havia se aproximado não tinha duvidas. Ela teve vontade de falar com ele, mas o que dizer? Neste breve instante ele foi embora levando um jornal, sem que a visse do seu lado. Apressou-se em pedir ao jornaleiro o mesmo que o moço tinha acabado de comprar. Ali mesmo abriu o jornal na tentativa de descobrir algo sobre seu vizinho. Tratava-se de um jornal desconhecido, de pouca circulação. Já tinha visto uma ou duas vezes, mas nunca lido. Comentários políticos... Críticas de filmes... Tamanha foi sua surpresa quando, na quarta página, viu uma pequena foto de seu vizinho. Ao lado de sua foto havia um poema: “Pássaros noturnos”. Ao final estava assinado apenas “D.”
Não entendia por que aquilo lhe deixou tão entusiasmada, nem esta imensa necessidade de conhecer seu vizinho. Imaginava que ele fosse professor ou escritor... Mas ele era um poeta! Ele fazia arte, assim como ela. O que o inspirava? Teria alguma musa? Ele faria um poema sobre ela? Sempre fora apaixonada por poesia, mas nunca imaginou que poderia conhecer um poeta. Seu poeta.
Nas semanas seguintes ela continuou voltando a banca de jornal. O dono já sabia o que ela queria e aparecia no mesmo horário (poucos depois que os jornais chegavam). Sempre tinha a esperança de ler sobre uma linda dançarina talentosa, mas nunca aconteceu. Certa vez a sua expressão de descontentamento foi grande, mas não foi maior que a sua expressão de susto quando ouviu alguém perguntar: “Não gostou?”. Era seu poeta! Do seu lado! Depois de observa-la lendo, ainda em frente a banca.
- Você é minha vizinha, não? Desculpe se lhe assustei. É que pareceu não gostar do meu poema.
- Não! Imagina! Seu poema é lindo! Eu que demorei a entender. Não tenho a chave que abre as portas da poesia...
- Qual o seu nome? Me chamo Dirceu.
- Prazer finalmente conhecê-lo, Dirceu. Meu nome é Marília.
- Ora, que curiosa coincidência! Foi um prazer conhecê-la, Marília, mas tenho que ir.
Despediram-se cordialmente. Ele foi para esquerda e ela para direita. É pra lá que ficava o cartório e ela precisava urgentemente mudar seu nome para Marília.



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PE, Brazil
Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...