segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre um sonho que continuou

Correndo. Correndo. Correndo… Sem olhar para trás nem para onde ia. Correu na direção do campo. Aonde não havia nada além de trigo, estrelas e uma velha árvore. Antes, afundou os pés na neve do Ártico, esquentou no deserto do México, tingiu com uvas na Itália, lavou em uma chuva na Rússia, ventos do Tibete os secaram, doeram atravessando a muralha da China, mas as águas do Pacífico foram seu bálsamo. Deram-lhe forças para correr até o campo. Eu a vi passar e a chamei pelo seu nome. Não sei se escutou, pois não olhou para mim. Apenas continuou correndo.
Apenas dissolvendo quem eu sou para poder ver do que sou feita. Só e só assim para descobrir qual o meu nome.
         Lá ela parou. Olhou para o chão e depois para o céu. Uma noite sem lua e sem nuvens. Nada separava o céu da terra. Passado, presente e futuro se confundem. Dizem que seu passado molda seu futuro. Eu não acho. Mas no que ela estará pensando? Fecha os olhos para não ver ou para finalmente enxergar? Seu rosto não tem expressão. Será que sente?
Corroído foi o que não era para ser. Corroído foi o que teria de ser.
         Levantou os braços para o céu. Seus olhos se abriram e um oceano com eles. O vento balançava o campo e tirava os cabelos do seu rosto. Sentia o ventou frio na pele? Com metade do corpo coberto pelo trigo, parecia ter crescido junto a ele. Rasgando a terra e lutando para subir. Seus dedos quase tocavam a estrela vermelha.
Arrancados foram os olhos para reaprender a ver. Puxada foi a pele, para expor a carne e os ossos. Não limpei, não lavei, não cobri com algo bonito e brilhante. Eu desfiz para me refazer. E agora será meu futuro que dirá quem eu fui.
            Suas mãos estavam feridas. Seu rosto marcado. Será que sentia a dor?
Não podia ver nem ouvir ou falar, mas ainda sim sentia você me chamar. E só você sabe meu verdadeiro nome. Só você sabe onde me encontrar.
         Um passo atrás do outro, caminhou sem pressa, na direção da velha árvore que insistia em existir. Evitou pisar nas flores que estavam ao redor, porém, se queria chegar lá, era impossível. Sentou e encostou-se no seu largo tronco. Olhou mais uma vez para o céu. O vento balançava os galhos em sua direção. Pareciam lhe abraçar. A lua não apareceu, mas desta vez era melhor. As estrelas brilhavam mais.
Coloquei-me nua diante do espelho. Aproximei-me sem ter medo do que via. E lembrei que cor meus olhos têm.
            Ficou de pé. Lentamente para um lado, suavemente para outro. Como podia haver música ali? Mesmo assim a ouvia cantarolar.
Sem veias, sem corpo, só me resta sentir.
         Dançava como se houvesse nascido para isto. Pintava o céu, orquestrava o vento, sua música fez a velha árvore florescer.
Agora me refaço. Não recolho os pedaços porque eles já nem existem mais. Pedaços é para quem não é por inteiro. Faço-me do novo. Do que está por vir. Do que ainda vou conhecer.
         Peito ofegante, cabelos desgrenhados e uma solitária gota de suor descia pelo seu pescoço. Não ia demorar para o sol nascer. Deitou no chão, esperando o céu mudar de cor.
E tudo que pude ver no espelho você já tinha dito que estaria lá.
Sorriu. E foi o único som que se podia ouvir naquele momento. Virou-se por cima do seu ombro, em uma posição que parecia bem desconfortável, mas esta era a última coisa que sentia ali. Antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa, me disse, ainda sorrindo:
_ Eu ouvi você chamar meu nome. E agora sei o que quer dizer.
         Uma chuva de estrelas caiu nesta hora. Poderíamos fazer todos os pedidos que quiséssemos, mas não havia mais nada a pedir.
_ Você sabia que estamos sonhando?
_ Sim.
_ Não se importa?
_ Não. Eu vou acordar, o céu já terá mudado de cor, não haverá mais estrelas, mas você estará do seu lado.

          Atrás de mim ela podia ver as luzes distantes da cidade, prestes a apagar e deixá-la sem cor. Mas eu lhe guiarei até lá.







*Mercedes Lullaby (JAVIER NAVARRETE) 
*Beautiful feeling  ( PJ HARVEY )

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