sexta-feira, 23 de março de 2012

Conversa de botequim


Entrou no bar com a cabeça baixa. Quase não dava pra ver a maquiagem nos olhos, nas bochechas e na boca. O cabelo solto ajudava a cobrir o rosto. A blusa era vermelha, muito colada ao corpo. Sua saia era muito curta, com pequenas manchas na parte de trás. Havia cicatrizes pelas pernas e seus braços magros estavam cruzados na frente do corpo. O corpo franzino não escondia que ainda era uma menina, mas de infantil, só a cor das unhas roídas. Um esmalte rosa que roubou da mercearia. Seus olhos acompanhavam o chão, mas não eram tristes. Vinham pensativos.
Sentou-se no balcão e pediu um copo com água. Era tudo que poderia pagar, com aquela moeda. O copo estava sujo, ela podia sentir o cheiro de cachaça; a mesma que seu pai tomava antes de bater na sua mãe. Mesmo assim, a água estava limpa e fria. Sentiu-se bem no primeiro gole, mas não podia sorrir, ou mostraria seus dentes podres. Não olhou ao redor, não quis saber quem estava ali. Sua água estava acabando e não havia mais nada a fazer, a não ser esperar. Acostumada com isto, acomodou-se no banco de madeira como pôde e ficou a passar os dedos no copo, tentando tirar a marca de gordura. Tentativa inútil de seus dedos cheios de calos. Não percebeu quando a mulher entrou. Gorda, com os seios caídos, por trás do vestido transparente. Seus passos eram curtos, suas pernas roçavam umas na outras, e era fácil de ver as veias escuras pulando ao longo de toda a coxa. Arrastou os tamancos, apressadamente, até o balcão. Pediu uma dose de cana com uma “banda” de limão. Os cabelos tinham sido clareados, mas já havia algum tempo. Deixando as raízes escuras, com cabelos brancos, a mostra. A cana chegou sem o limão. Não havia limão naquele lugar.
_ É tu que tava me procurando?
_É. Falaram que a senhora tem trabáio pra gente feito eu.
_Eu num sei, não. Já to cum minina demai.
_Mai eu num sô minina.
Uma risada alta e desajeitada ecoou pelo boteco. Com a cabeça para trás e a boca escancarada, deixou a mostra o vazio sem dentes.
_ E tu acha que é muié?
_Também num sô muié, não senhora.
_E tu é o que?
_ Eu num brinco de boneca, cuidava dos meus irmão piqueno. Levava água na cabeça e cortava lenha, robava ovo nos quintal do povo, lavava os pano no rio e varria o chão do barraco. Num sei b-a-bá, mai mode puque minha mãe disse que é coisa de rico. Pobi nasce burro e fica burro. Que pobi só aprende a ter duença.  Quando eu era bem piquena, fui na feira com minha mãe. Pegar as coisas do chão que ninguém quiria. Vi uma madame dando umas fotos... Ninguém nunca tinha me dado nada. Só porrada e grito. Eu perguntei quem era aquela muié bunita. Ela disse que era uma muié muito boa, ela cuidava das pessoa que acreditava nela. E ela tinha um pai que era bom. Ele não bebia nem batia nela, ela pedia as coisa e ele dava.  Ele não queimava ela com cigarro nem batia no lombo dela. Ela disse que ele tinha amor. Num entendi direito mode puque eu num sabia o que diaxu era este negocio de “amor”. Pensei que era como dinheiro. Que ele era bom puque tinha dinheiro. Todo dia meu pai saia da fábrica, tomava cachaça no butequim, batia na minha mãe e comia feito um porco. Já viu um porco cumendo, dona? A lavagem escorre pelos canto da boca e eles se lambuza todo. Depois ele acendia um cigarro de palha e, na hora de apagar, ele ia até meu canto e apagava neu. Uma vei ele me queimou na cara, puque disse que eu era muito feia. Um dia ele demorou a chegar. Minha mãe ficou na porta, oiando pra rua. Chegou um moleque e falô cum ela. Falô que ele bebeu muito e num tinha dinheiro pra paga. Quando eu cheguei lá tinha um homi barbado e um bem muito alto. Foro logo fechando a porta e dero mai uma dose pra meu pai. Pela primeira vez eu vi ele abaixa a cabeça. Num demorou muito e logo eu num sentia mai nada. O barbado foi por último. Cheirava a mijo e cachaça. Quando ele terminou cuspiu pra o lado. Senti uma dor na barriga, virou-se tudo lá dentro, mas tinha nada pra botar pra fora. Voltei pra casa. E neste dia me deram um bocado de cumida a mais. No outro dia meu pai num foi beber. Chegou mais cedo e ficou do lado de fora, enrolando o cigarro. E continuou assim, até uma semana que ele chegou mais bebo que nunca. Foi no meu canto, me puxou pelos cabelo, cuspiu na mina cara e disse que filha dele num é sem vergonha. Me chutou pra fora do barraco e fechou a porta. Minha mãe olhava da janela, uma lágrima descia só de um lado da cara. Pensei na minha foto que ficou lá dentro... Se eu tivesse amor isto não acontecia cum eu. Mai a madame disse que ela protegia. E num protegeu nada. Vai vê é pu mode que eu sou feia e sem vergonha. Depoi fiquei sabendo da senhora e do que gente feito eu faz. Eu quero trabaiá dona. Quero ter dinheiro. E, se esse negocio de amor for bom mesmo, eu compro um punhado.
_Então pegue suas coisa e vamo.
_Dona, de meu só tem este último gole d’água. 
Passei o pano no rosto e nos copos, quando foram embora. Debruçado sobre o balcão, com a mão no queixo, esperei a próxima chegar.

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