quinta-feira, 28 de março de 2013

Poema para ela



3.    Entre as linhas da poesia ela dizia que me amava.


Diogo não conseguia pensar em mais nada além dela. Quando escolheu um pseudônimo chamado “Dirceu”, nunca imaginou que encontraria uma “Marília”. Ela era linda, maravilhosa... Não acreditava que ela lia seus poemas, mas, como era de se esperar, não gostava. Ele se considerava um poeta medíocre. Atribuía este fato a não ter nem uma musa inspiradora. Um amor que o fizesse sentir o mundo em sua totalidade. Mostrasse-lhe as verdadeiras cores. E esta mulher estava ao seu lado todo o tempo. Ele ouviu falar em “amor a primeira vista” quando começou a ler seus primeiros poemas, mas nunca achou que saberia de fato do que se tratava. Agora que ele amava poderia ser um homem melhor e um poeta completo. Todos os dias ele a observava na mais absoluta discrição. Não queria que ela pensasse que ele era um louco obcecado por ela. Sua amada se mostrava cada dia mais intensa e enigmática. Mostrava-se diferente de todas as pessoas. E cada dia mais.
Os anos se passaram e Marília não recebeu o poema de seu Dirceu. Inspirada pelos poemas que conhecia, ela tentou de tudo. Olhou firmemente para ele, oferecendo os olhos como espelho da face. Ficou na varanda comendo café com pão, atirou pedras no meio de seu caminho, conversou em voz alta com as estrelas, bradou para todo o bairro, com uma taça na mão: dai-me mais vinho, porque a vida é nada! Acendeu um cigarro e escarrou pela janela; assim como fera, rasgou um calendário e jogou os pedaços na rua, andou nua pela casa, gritou a plenos pulmões: venham amigos lúcidos, calar os lobos e acordar o mundo! Comprou um corvo e deu-lhe o nome de “nunca mais”, andou de um lado a outro tal qual pantera, com o som bem alto esperando que a voz nordeste tocasse “nalgum lugar” de sua alma, colocou palmeiras na varanda e ficou esperando o sabiá. Uma noite nada haveria de ser dito. Esteve em completo silêncio. Porém, antes de deitar-se disse: que um dia o sorriso lhe baste. Sentia-se cada dia em um nível mais baixo do inferno de Dante. Já era noite e ventava bastante. Foi até a varanda e viu que ele olhava em sua direção como olhar perdido e distante. Guardou aquela imagem e descansou aquela noite. Vestiu-se com as roupas da realeza que Inês nunca usou, gritou, gemeu, tocou valsa vienense, dormiu, cansou e morreu, porque não era tão dura quanto José. Morreu em Abril, que é o mais cruel dos meses. Seu último pensamento foi que permaneceria jovem, eternizada em um verso.
Diogo não viu quando tudo aconteceu. Tinha ido a cozinha fazer um café e quando voltou sua musa amada não estava mais lá. O enterro foi simples, mas bonito. Ficou sabendo que seu nome era Roberta e já vinha doente há um tempo. Tinha parado de trabalhar e passou a se dedicar a sua dança. Paixão desde a infância, mas que não havia lhe dado uma fonte de renda. Naquele domingo mórbido Diogo não demorou a escrever sua publicação semanal para o jornal. Desta vez não era um poema. Ele falava sobre uma mulher, intrigante e excepcional. De uma beleza incrível e que teve uma vida muito interessante. Falou de como todos os poetas ficariam honrados em conhecê-la. Ele teria feitos todos os seus poemas para ela, mas não se achava digno diante de tudo que ela representava. Na verdade... Poderia ter feito alguns poemas sobre sua dança. Não fez porque não queria magoá-la. A coitada sempre dançou mal.

Paráfrases:

Augusto dos Anjos – Versos últimos
Tomás Antônio Gonzaga – Marília de Dirceu
Fernando Pessoa - *
Olavo Bilac – Via Láctea (Trecho XIII)
Pablo Neruda – Gosto quando te calas
Drummond Andrade – E agora, José?
Cecília Meireles – Primeiro motivo da rosa
Paulo Leminski – Atraso Pontual
Vinicius de Morais – Soneto de Conifeu
Luis de Camões – Os Lusíadas
Hilda Hilst – *
Rainer M. Rilke – A pantera
Edgar Allan Poe – O corvo
Zeca Baleiro musicando E. E. Cummings – Nalgum lugar
Gonçalves Dias – Canção do Exílio
T. S. Elliot – Terra desolada
W. Shakespeare – Soneto 19
Dante Alighieri – Divina comédia


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
PE, Brazil
Um constante vir a ser. Seguindo a sombra dos moinhos de vento...