3. Entre as linhas da poesia ela dizia que me amava.
Diogo não conseguia
pensar em mais nada além dela. Quando escolheu um pseudônimo chamado “Dirceu”,
nunca imaginou que encontraria uma “Marília”. Ela era linda, maravilhosa... Não
acreditava que ela lia seus poemas, mas, como era de se esperar, não gostava.
Ele se considerava um poeta medíocre. Atribuía este fato a não ter nem uma musa
inspiradora. Um amor que o fizesse sentir o mundo em sua totalidade.
Mostrasse-lhe as verdadeiras cores. E esta mulher estava ao seu lado todo o
tempo. Ele ouviu falar em “amor a primeira vista” quando começou a ler seus
primeiros poemas, mas nunca achou que saberia de fato do que se tratava. Agora
que ele amava poderia ser um homem melhor e um poeta completo. Todos os dias
ele a observava na mais absoluta discrição. Não queria que ela pensasse que ele
era um louco obcecado por ela. Sua amada se mostrava cada dia mais intensa e
enigmática. Mostrava-se diferente de todas as pessoas. E cada dia mais.
Os anos se passaram e
Marília não recebeu o poema de seu Dirceu. Inspirada pelos poemas que conhecia,
ela tentou de tudo. Olhou firmemente para ele, oferecendo os olhos como espelho
da face. Ficou na varanda comendo café com pão, atirou pedras no meio de seu
caminho, conversou em voz alta com as estrelas, bradou para todo o bairro, com
uma taça na mão: dai-me mais vinho,
porque a vida é nada! Acendeu um cigarro e escarrou pela janela; assim como
fera, rasgou um calendário e jogou os pedaços na rua, andou nua pela casa,
gritou a plenos pulmões: venham amigos
lúcidos, calar os lobos e acordar o mundo! Comprou um corvo e deu-lhe o
nome de “nunca mais”, andou de um lado a outro tal qual pantera, com o som bem
alto esperando que a voz nordeste tocasse “nalgum lugar” de sua alma, colocou
palmeiras na varanda e ficou esperando o sabiá. Uma noite nada haveria de ser
dito. Esteve em completo silêncio. Porém, antes de deitar-se disse: que um dia o sorriso lhe baste. Sentia-se
cada dia em um nível mais baixo do inferno de Dante. Já era noite e ventava
bastante. Foi até a varanda e viu que ele olhava em sua direção como olhar
perdido e distante. Guardou aquela imagem e descansou aquela noite. Vestiu-se
com as roupas da realeza que Inês nunca usou, gritou, gemeu, tocou valsa
vienense, dormiu, cansou e morreu, porque não era tão dura quanto José. Morreu
em Abril, que é o mais cruel dos meses. Seu último pensamento foi que
permaneceria jovem, eternizada em um verso.
Diogo não viu quando tudo
aconteceu. Tinha ido a cozinha fazer um café e quando voltou sua musa amada não
estava mais lá. O enterro foi simples, mas bonito. Ficou sabendo que seu nome
era Roberta e já vinha doente há um tempo. Tinha parado de trabalhar e passou a
se dedicar a sua dança. Paixão desde a infância, mas que não havia lhe dado uma
fonte de renda. Naquele domingo mórbido Diogo não demorou a escrever sua
publicação semanal para o jornal. Desta vez não era um poema. Ele falava sobre
uma mulher, intrigante e excepcional. De uma beleza incrível e que teve uma
vida muito interessante. Falou de como todos os poetas ficariam honrados em
conhecê-la. Ele teria feitos todos os seus poemas para ela, mas não se achava
digno diante de tudo que ela representava. Na verdade... Poderia ter feito
alguns poemas sobre sua dança. Não fez porque não queria magoá-la. A coitada
sempre dançou mal.
Paráfrases:
Augusto dos Anjos – Versos últimos
Tomás Antônio Gonzaga – Marília de Dirceu
Fernando Pessoa - *
Olavo Bilac – Via Láctea (Trecho XIII)
Pablo Neruda – Gosto quando te calas
Drummond Andrade – E agora, José?
Cecília Meireles – Primeiro motivo da rosa
Paulo Leminski – Atraso Pontual
Vinicius de Morais – Soneto de Conifeu
Luis de Camões – Os Lusíadas
Hilda Hilst – *
Rainer M. Rilke – A pantera
Edgar Allan Poe – O corvo
Zeca Baleiro musicando E. E. Cummings – Nalgum lugar
Gonçalves Dias – Canção do Exílio
T. S. Elliot – Terra desolada
W. Shakespeare – Soneto 19
Dante Alighieri – Divina comédia
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