2. Não vi que...
Decifra-me ou devoro-te
homem/mulher, eu sou teu eu interior. Teu verdadeiro eu. Sou teu subconsciente
e inconsciente, teus sonhos e devaneios, tuas dúvidas e perplexidades, tuas
crenças e valores, teus defeitos e qualidades, amores e ódios, desejos e aversões,
fragilidades e fortalezas.
(Lenda do enigma da esfinge)
Marília, que até pouco tempo atrás se chamava Roberta, não
sabia lidar com aquilo. Era vizinha de um poeta. E ele sabia que ela lia suas
poesias. A qualquer momento ela poderia ser contemplada com uma poesia sobre
ela. Quando estava fora de casa ela ficava ansiosa. Queria logo voltar para
ele. Nunca se dedicou tanto a dança! Dançava como se tivesse as sapatilhas
mágicas. A cada passo pensava em seu poeta. Cada dia mais se alimentava da
imagem dele. Começou a ficar triste quando notou que ele sequer olhava para
ela. O que teria de fazer para chamar a atenção dele? Era isto! Pensaria em
algo que o fizesse notá-la. A partir deste dia a dançarina teve como objetivo
se tornar musa de seu poeta. A verdadeira Marília de seu Dirceu.
Colocou a música mais alta do que nunca, fez os mais difíceis
passos de dança que sabia, deu gargalhadas ensurdecedoras, chorou o suficiente
para afogar um peixe, entrou madrugada adentro empenhada em se fazer notar. Foi
quando ele levantou os olhos que estavam fixos na mesa e mirou em sua direção.
No dia seguinte ela estava extremamente feliz. Chegado o dia da entrega dos
jornais, ela correu até a banca mais cedo. Mal podia esperar pra ler o que ele
escreveu sobre ela! Por isso, não quis acreditar quando leu o poema “janelas”.
Como ele pôde escreve sobre as janelas e nem uma linha sobre ela?! Estava
obstinada a fazer seu poeta escrever sobre ela. Era um desejo que a devorava
por dentro. Não conseguia entende-lo. Por que ele não a via? Sem perceber ela
se deixou ser consumida pelo seu silêncio.
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