sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Em plena quarta-feira.


Catarina quase não sai de casa. Vai ao mercado nos sábados e a missa aos domingos. Seu marido achava estupidez ir a missa, então ela também ia sozinha. Não tinha filhos. Sempre quis ter. Pensava como seria ser mãe, colocar uma criança no colo e dizer que estava tudo bem. Não pensava na dor, nem nas noites sem dormir. Catarina só pensava no riso solto pela casa e nas mãozinhas pequenas lhe apertando o dedo. Seu marido achava estupidez ter um filho. Eram barulhentos, burros e, acima de tudo, gastava-se muito com eles.
Um dia ela notou que havia um rato na cozinha. Apressou-se em pegar a vassoura, mas antes que pudesse se mover olhou a pequena criatura com ternura, comendo um pedaço de pão que havia caído da mesa e rolado pra baixo da pia. Sentiu simpatia pelo bicho, fazendo sua singela refeição. Logo ele voltou para o buraco e ela para seus afazeres. Com o tempo ele retornou e a afeição aumentou. Esta foi a alegria de Catarina nos dias que se seguiam. E seu segredo também. O marido não poderia saber que ela alimentava um rato. “Que estupidez!”, ele diria.
Um dia chegou mais cedo em casa e mais bruto do que nunca. “Um problema no trabalho”. Foi demitido, ela imaginou, mas não ousou lhe perguntar. Enquanto preparava o jantar seu amigo apareceu. E qual não foi seu desespero quando seu marido o alcançou antes e o esmagou com as botas que ela havia polido. Não pôde conter as lagrimas, rolando a medida que ela limpava o chão, misturando-se ao sangue do rato. Limpo o chão, seu marido esperava o jantar na mesa. Foi quando notou seus olhos vermelhos de chorar. E riu. Riu alto e porcamente. Só ria assim por dinheiro e no dia que seu vizinho morreu atropelado. Ele achou uma estupidez morrer atropelado. Da mesma forma, ria de sua mulher que chorava por um rato. “Que idiota! Chorando porque matei um animal sujo!”, ele disse. Catarina escutou calada, engoliu a comida e levou os pratos para pia. Entre um prato e uma xícara, não se sabe ao certo, ela se lembrou do que havia dito o marido. E antes que ele gritasse seu nome mais uma vez, pegou sua melhor faca e lhe cortou a garganta. Não entendeu o que ele tentou falar. Quanto mais a faca entrava mais sua voz parecia um chiado. Seu corpo caiu no chão da cozinha já sem vida e o sangue começou a escorrer. Tão vermelho quanto o do rato. O filete de sangue aumentou e parou aos pés de Catarina, formando uma poça vermelha e quente. Aquela cena era impactante para qualquer um. Foi quando Catarina se arrependeu... E, pela primeira vez, falou alto, dizendo: “Este rato vai me dar muito mais trabalho para limpar!”. E saiu sorrindo, por ir ao mercado em plena quarta-feira. Precisava de sabão.

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